segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Ambiciosa realização de Tarantino


Bastardos Inglórios destaca-se como uma superprodução cinematográfica contemporânea ambientada na 2ª Guerra Mundial que não tem como proposta dar conta do grande drama humano gerado pelo conflito. Diferentemente de outras superproduções como “A Lista de Schindler” (Steven Spielberg, 1993), “Stalingrado” (Joseph Vilsmaier, 1993), “O Resgate do Soldado Ryan” (Steven Spielberg, 1998), “Círculo de Fogo” (Jean-Jacques Annaud, 2001) e “O Pianista” (Roman Polanski, 2002), onde a carga emocional é um forte componente do enredo, a principal preocupação de Quentin Tarantino é, conforme o mesmo declarou, gerar um “Western spaghetti com uma iconografia de Segunda Guerra Mundial”.

A ausência de uma preocupação dramática explícita permite ao diretor o uso de uma série de elementos que tradicionalmente não são utilizados em narrativas de guerra. Dentre esses elementos, pode-se destacar o uso de imagens violentas com propósitos humorísticos, recurso que Tarantino utilizou bastante em seus filmes anteriores (como a famosa cena do “tiro acidental” de John Travolta, em Pulp Fiction). Aliás, a utilização da violência de forma humorística é uma das marcas do diretor, juntamente com a presença de diferentes narrativas atemporais que se cruzam e a ampla presença de diálogos ácidos.

Como de praxe na obra de Tarantino, o filme realiza uma série de referências a filmes famosos do cinema. Tais referências englobam desde meras menções em diálogos, e até mesmo cenas inteiras, como a cena do incêndio no cinema, bastante semelhante ao incêndio do ginásio em “Carrie, a estranha” (Brian de Palma, 1976). A inovação fica por conta da abordagem de obras clássicas do cinema do 3º Reich, como os filmes de Leni Riefenstahl, sendo o mais famoso deles o “Triunfo da Vontade” (1935). O diretor consegue, de uma maneira feliz, encaixar tais referências no seu filme sem que as mesmas se pareçam muito artificiais.

Em relação à narrativa histórica, o filme não tem como preocupação apresentar verossimilhança com os eventos reais da guerra. Entretanto, esse fato não desmerece o filme, uma vez que ele deliberadamente é feito somente com o intuito de entreter, tal como os filmes de western spaghetti. Trata-se apenas de uma narrativa ambientada na 2ª Guerra Mundial, que poderia ser transplantada para outro contexto. A escolha do evento histórico específico pode ser justificada pela desumanização do nazista no imaginário coletivo ocidental, sendo facilmente palatável para o espectador assistir a cenas como as de escalpelamento com relativa naturalidade. A morte de Hitler e Goebbels, dentro das circunstâncias mostradas no filme, ilustra a ausência de preocupação histórica, sendo isso perfeitamente aceitável uma vez que tal preocupação não passa pelos objetivos do filme. Por outro lado, destaca-se a preocupação do diretor em retratar a diversidade linguística verificável naquele contexto histórico, evitando-se o terrível costume do cinema estadunidense em “inglesar” as falar os personagens que não deveriam falar o idioma.

No que concerne às atuações, destaca-se a do ator austríaco Christoph Waltz, que inclusive ganhou o prêmio de melhor ator no festival de Cannes de 2009. No papel do coronel Hans Lander, o ator realiza um trabalho brilhante de interpretação na medida em que interpreta um personagem terrivelmente eficiente no seu ofício de “caçar judeus”, ao mesmo tempo em que possui uma extrema etiqueta no seu comportamento e revela uma grande erudição, sendo culto e fluente em diversas línguas. O ator consegue perfeitamente dar conta da dimensão cruel de seu personagem, ao mesmo tempo em que mantém uma cordialidade perturbadora no trato com seus adversários, até mesmo ao realizar ameaças.

Apesar de a preocupação histórica estar ausente no filme, conforme foi dito anteriormente, o diretor também exerce um trabalho brilhante no sentido de retratar a estética nazista, sobretudo nas cenas que se passam dentro do cinema pertencente a uma das personagens. A decoração do referido cinema, assim como as vestimentas dos personagens, estão muito próximas da realidade. A obsessão dos nazistas em relação à grandiosidade de suas obras, bastante presente no cinema-propaganda do 3º Reich, é brilhantemente retratada.

Conclui-se que Bastardos Inglórios desempenha bem o seu objetivo de ser um superprodução cinematográfica de “entretenimento descompromissado” à maneira de Quentin Tarantino. Embora a maneira de fazer cinema do diretor tenha sido muito inovadora na ocasião do início da sua carreira, suas fórmulas agora parecem já estarem suficientemente difundidas na indústria cultural a ponto de parecerem triviais. O filme é particularmente interessante para os historiadores, uma vez que revela que a preocupação histórica é muito pequena no cinema hegemônico contemporâneo. Pequena preocupação que é justificada justamente pela falta de interesse pela disciplina no grande público.

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