sábado, 31 de outubro de 2009

A vingança da História "por fora"


Tarantino foi qualificado como um “inovador” por parte da crítica de Bastardos Inglórios: enquanto a maior parte dos filmes sobre a segunda guerra ainda abordariam o tema muito presos a fáceis “clichês”, o recorte e a trama construídos pelo diretor teriam inovado e permitido apreender outros aspectos do evento, como o “troco” sanguinário judeu e a impossibilidade de identificar “bons” e “maus” no contexto da guerra. Mais que isso: parte da crítica louvou exatamente a liberdade com que o diretor tratou a história, dissolvendo toda a tensão do conflito num potente “olho por olho, dente por dente”, para além de qualquer discussão ética envolvendo o contexto da guerra. Estendendo um pouco mais a parte ingenuamente simplista desse argumento, Arnaldo Bloch reforça que, ao contrário de filmes “facistóides que escondem maniqueísmos em pretensos hiper-realismos”, Tarantino teria mostrado que, em meio ao “colapso de destruição [da guerra], não há ideologia que sobreviva: só a sede [violenta] de reparação imediata, quase simultânea”.
É importante notar que esses pontos estão presentes nos próprios comentários que o diretor fez sobre o filme. Para além de qualquer revisionismo explícito do episódio da guerra, Tarantino afirma que buscou fazer somente uma “obra de arte”, e que o longa, ao contrário da pretensão de alguns, deveria ser interpretado somente enquanto tal. Aqui chama a atenção exatamente para o seu objetivo com o cinema: transformar linguagens estéticas mais diversas e organizar novas referências e tramas; enfim, usar e abusar da busca constante pela “inovação” cinematográfica – o que inclusive lhe rendeu a crítica de ser uma eterna criança fascinada com seus brinquedos. É nesse sentido que repete, mais uma vez, agora em Bastardos Inglórios, que seus filmes não são para ser vistos por um “qualquer público”, mas por quem saiba apreciar a sua “arte”.
Para alguns, por mais que o diretor não vise diretamente esta finalidade, a “eterna criança” cresceu com Bastardos Inglórios – principalmente ao escapar das imputações maniqueístas que ainda marcariam o tema da segunda guerra mundial, colaborando para, enfim, construir uma nova visão da guerra. O que fica patente para mim é que, nesta “obra de arte”, a explosão do conflito generalizado e as conseqüências mais impensadas e dramáticas projetadas na vida das pessoas durante uma guerra, dão lugar à disputa particular entre os personagens caricaturais de judeus e alemães. Longe de organizar uma trama complexa e problemática naquele contexto de guerra, Tarantino revela apenas caricaturas elevando ao máximo as suas obsessões e perseguindo até o fim o desenvolvimento de suas ações (o americano caipira e bruto, a francesa blasé, o inglês supereducado, os nazistas engomadinhos). Aqui estamos muito distante da idéia clássica que fazemos da segunda guerra: a guerra não corrói certezas nem força os atores sociais a buscarem uma resposta em meio à destruição. Ao invés de uma disputa ideológica antagônica temos um quadro no qual as ações individuais dos personagens, mesmo que envolvidos na problemática da guerra, correm paralelamente a qualquer possibilidade de ação coletiva na conjuntura. Mas este quadro não se expressa como a visão da guerra explícita do diretor, como alguns críticos quiseram ver: ele é traçado unicamente como "imagem", à maneira pós-moderna, bem à la Tarantino. Uns acreditam que foi justamente esse aspecto que incomodou os “moralistas”, por destruir qualquer possibilidade de existência de uma ética ideológica da segunda guerra. Ao contrário, penso que a construção da trama e a própria ação caricatural dos personagens contribui para que, ao invés de identificarmos a complexidade da guerra e constarmos a falência de uma interpretação ideológica que passe por cima de tudo a fim de afirmar determinada legitimidade, organizemos um distanciamento forte em relação a toda a problemática do evento.
Por isso, se Tarantino insiste em afirmar somente a sua intenção “artística”, o filme não deixa de suscitar questões e dialogar com o enquadramento da memória do período. Voltar ao contexto da segunda guerra pode ser uma escolha, acima de tudo, “estética”, nos termos do diretor, mas ela também não deixa de mobilizar e dialogar com as fortes referências culturais que possuímos do conflito. Tarantino insiste que seus personagens são “seres humanos” inventados que não podem ser encaixados em modelos de “bom” ou “mau”, mas a forma como ele constrói a trajetória deles não dimensiona um envolvimento mais “real” na própria problemática da guerra. A guerra existe apenas como um grande pano de fundo: os personagens atuam e podem mesmo mudar o seu curso (como de fato acontece no filme), mas eles não o fazem pelas razões que estiveram presentes na deflagração do conflito: mostra-se um Hitler obsessivo e completamente inseguro que busca na expansão alemã o remédio de seus problemas emocionais; um oficial da SS que aproveita o contexto da guerra para ascender na burocracia nazista; um norte-americano descendente indígena que se aproveita da guerra para por à prova a sua brutalidade interiorana; um soldado nazista que procura ganhar a simpatia do regime; enfim, uma judia que busca vingar a morte de toda a sua família. Como falei, acredito que tanto a construção da trama quanto a ação caricatural dos personagens contribuem de forma fundamental para o esvaziamento de uma discussão mais densa sobre o tema. Tarantino afasta-se completamente do “real” da segunda guerra, para em meio a ele, construir a sua trama “por fora” – e mesmo nos mostrar que esta poderia guardar um final surpreendente. Como avisou em uma entrevista, essa é a “vingança da história”. Imagine a ironia se a guerra, tão “importante” para uns, fosse resolvida por um desses personagens? Certamente, se isso tivesse ocorrido, o diretor teria possuído um material ainda melhor para construir seu filme, justificar um distanciamento da problemática e divulgar a sua “arte” para seu grande público “seleto”.

Referências de críticas e entrevistas
http://g1.globo.com/Noticias/Cinema/0,,MUL1328761-7086,00.html
http://www.omelete.com.br/cine/100022604/Critica__Bastardos_Inglorios.aspx
http://portal-cinefilo.com/entrevista-tarantino-fala-sobre-seu-mais-novo-filme-%E2%80%9Cbastardos-inglorios%E2%80%9D/
http://oglobo.globo.com/blogs/arnaldo/

Igor Fernandes

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Novos olhares


O filme "Bastardos Inglórios" de Tarantino chama atenção por muitos aspectos que já foram destacados aqui. No entanto, a meu ver, o que realmente faz, ou pode fazer, o espectador se deliciar com a película é o fato de nos dar o que muitos queriam há muito tempo: o troco. Mais do que as derrotas nazistas para os Bastardos, mas o judeu dando o troco em seu opressor.

Não posso falar desse aspecto marcante sem me referir a outro fundamental para que essa vingança ocorra tão intensamente: a reescrita da história. Tarantino não só lança um novo olhar sobre a história, mas a reinventa; contudo, não sem lançar um novo olhar sobre o tema, que de objeto passa a ambiência. Isso me faz lembrar uma edição da Superinteressante, de setembro deste ano, que tratava das novas perspectivas de uma "nova geração de historiadores" em torno da Segunda Guerra, dentre as quais destaco os estudos acerca da "valentia dos judeus", como chamou a própria Super, que tratam justamente da resistência judia ao Terceiro Reich. Considerando que Tarantino levou 10 anos para escrever o roteiro do filme, acho difícil dizer que sua postura reescritora da história é reflexo dessa revisão historiográfica sobre o assunto, posto que esta é muito recente, mas sem dúvida acho que podemos pensar que as duas são uma reação comum, nos campos artístico e acadêmico cada uma, ao desgaste de um tema tão vastamente tratado, ou a um desgaste de sua abordagem.
Se a História cansou de caracterizar a Segunda Guerra em certa medida pelo massacre de judeus, também o cinema e, mais do que isso, o público, cansou de ver as telas exibirem tais atrocidades. Talvez mesmo porque toda a produção fílmica sobre a esse respeito (ao menos a que eu conheço), ou seja, a "história do vencedor", tenha contribuído para uma antipatia - mais do que isso, ódio mesmo - em relação ao nazismo, de modo que a desforra de Tarantino encontra seu lugar na platéia. Posso estar enganado, mas foi assim que eu me senti ao assistir ao filme.


Ponto para reflexão: em inglês, o nome do filme é "Inglorious Basterds", e não "Bastards", como deveria.



Ricardo Dutra

Guerra e arte

Ao pesquisar a cerca das criticas do filme após assisti-lo, percebi que muitos autores se preocuparam em falar a respeito do sangue, enfatizando a cena em que um soldado nazista tem seu crânio destruído por um taco de basebol. Ao abordar a temática de uma guerra, creio ser impossível o não uso de violência, seja ela física ou psicológica. Em “A lista de Shindler (The Schindler's List, 1993 – Steven Spielberg)” a cena mais chocante fica por conta da seqüência da menina de vestido vermelho, primeiro passeando pelas ruas, depois na pilha de cadáveres. Já em “A vida é bela (La Vita È Bella, 1997 – Roberto Benine)” a violência fica a cargo do filme inteiro. E para não deixar de citar uma cena brasileira e forte, uso “Olga (2004 – Jayme Monjardim)” quando a filha dela é retirada da protagonista na prisão. O sangue em si, já se tornou marca registrada no cinema, principalmente o europeu, que possui uma abertura maior e alguns temas mais “cult”. O que mais choca é a desumanidade explicita, a crueldade e a violência psicológica.

Retomando a cena tão criticada de Bastardos inglórios lembro-me automaticamente de “Irreversível (Irréversible, 2002 – Gaspar Noe)” onde a primeira cena foi um crânio sendo devidamente esfacelado por um extintor de incêndio. Sem contexto e sem explicação, que só virão ao longo do filme. Tarantino usou o recurso com maestria fazendo assim uma obra de arte. Outro ponto que pode ser observado foi o uso da câmera giratória, com fez pela primeira vez Gaspar Noe em “Irreversível” para dar a sensação ao expectador de total confusão e desconforto.

Outro ponto que é necessário ser abordado são as falas iniciais, onde o caçador de judeus explica para o fazendeiro que a repulsa por judeus pode ser comparada a repulsa humana por ratos, mas não por esquilos, mesmo ambos sendo roedores da mesma espécie. Apesar de longo, o dialogo resume de forma clara toda a ideologia nazista.

A relevância de um filme sobre a segunda guerra em pleno 2009 é quase que obvia. A indústria cinematográfica norte-americana é formada por muitos membros de origem judaica e histórias como estas sempre seduziram Hollywood e, consequentemente, o grupo que entrega o Oscar. Podemos comprovar com a premiação do filme “Os falsários (The Counterfeiters, Áustria, 2007)” como melhor filme estrangeiro. Dentro deste contexto, fazer uma vingança judia, especulando sobre o “SE” usado de forma espetacular na fala de Aldo Raine (Brad Pitt) dirigindo-se ao caçador de judeus – “SE eles ficarem, SE eles estiverem vivos, Se... Se... São muitos SE’s para uma frase, não acha?”. E é exatamente isso que Bastados Inglórios é: um grande SE. O roteiro é divido em duas partes: na vingança pessoal de Shoshanna (Melanie Laurent) e a missão dos bastardos, que inverteu os papeis tornando os judeus caçadores de nazistas.

Na historiografia recente já possuem relatos de movimentos de resistência judia. Isso quer dizer que essa imagem montada pelo cinema de que eles deixaram o genocídio acontecer livremente está sendo aos poucos desconstruída. Em reportagem da Revista Aventuras da história, set/09, fala sobre Mordechai Anielwicz, importante líder da resistência judaica e sobre o levante do gueto de Varsóvia, onde judeus resistiram por mais de um mês a ofensiva alemã. Contavam com até 500 militantes e foram esmagados pelo general da SS Jürgen Stroop.

O que temos ao fim do filme é a sensação de alivio, pois o “louco” ditador Hitler foi metralhado incansavelmente pelo soldado norte americano... Não foi assim que aconteceu, mas se o SE do filme realmente fosse um fato, o EUA salvariam o dia...
Mesmo com essa distopia, o ingresso vale a pena.

Bastardos Inglórios: algumas questões.


O filme “Bastados Inglórios” destaca-se por uma narrativa diferenciada dos eventos da Segunda Guerra Mundial. Este fato parece se assemelhar a alguns filmes mais atuais que parecem tratar eventos históricos mais como pano de fundo para histórias fictícias, do que historias que buscam analisá-los como momentos históricos em si. Levando-se em consideração o fato de representar uma ficção a cerca dos mesmos, podemos destacar alguns pontos interessantes.

Em primeiro lugar, a narrativa tem um formato interessante, dividido em capítulos, e com alguns efeitos de cena que lembram as histórias em quadrinhos. A caracterização dos personagens também merece ser destacada. O capitão americano que em uma cena defende e justifica o ataque aos nazistas destacando como os mesmos são violentos e cruéis, incita a violência contra eles. O que faz destacar o caráter predominante da violência durante o filme. Independente do lado, o filme parece destacar a guerra como um local onde as pessoas não somente são obrigados a usar da violência para atacar e se defender dos seus inimigos, mas um espaço de libertação onde a violência é permitida mesmo aos extremos, aonde a permissividade vai muito além do que é possível em tempos de paz.

Em um segundo momento, vale à pena destacar a representação de um personagem histórico como Hitler. O mesmo é representado de forma histérica e muitas vezes meio fora do controle e inseguro, mas vale destacar que apesar de uma representação degradante, o filme o representa como um ser humano com falhas de seres humanos comuns. A morte de Hitler que acontece no filme, fruto da vingança judia, vale um grande destaque, pois apresenta uma grande licença poética do filme. O que vale uma discussão interessante no quesito da memória. Até onde um filme pode modificar um fato histórico sem que a verdade factual possa ser atingida por estas mudanças, e sem que a memória dos que foram atingidos por situações limites podem ser afligidas por novas vertentes de interpretação. Até onde a ficção pode usar a memória e a verdade histórica.

Em um terceiro momento é importante destacar a trama principal do filme que é a vingança dos judeus contra os nazistas. A forma com que ela aparece no filme seja como um esquadrão de judeus especializados em matar nazistas, ou através da judia que planeja incendiar um cinema durante um evento nazista e assim matar a principal cúpula deste governo, mostra uma serie de eventos que nunca existiram, e devemos nos perguntar o que nos quis mostrar com estes eventos. Parece uma grande ironia do filme mostrar os principais ícones do nazismo serem mortos durante uma exibição de um filme que destaca um de seus soldados como grande herói. Deve destacar-se a presença de alemães desertores entre o grupo dos “bastardos inglórios”.

Por fim, acho que o filme é valido não somente por mostrar uma perspectiva diferenciada dos eventos da Segunda Guerra Mundial, mas sim, por ser o primeiro a tratar no assunto de maneira diferenciada, e principalmente por ser o primeiro a tocar no assunto em forma de humor. E claro que esta forma diferenciada de abordagem provoca muitas questões que merecem destaque na discussão dentro das abordagens mais antigas e tradicionais da guerra.

Milena Ferreira Sanandres

O filme “Bastardos inglórios” de Quentin Tarantino lançado recentemente no Brasil tem as características básicas dos filmes deste diretor: o humor a violência. Dessa vez, a História é usada como pano de fundo para a ação e a maior parte dos personagens é fictícia. Com as figuras históricas, como as figuras centrais do Reich e o próprio Hitler, também ocorre algum nível de ficcionalização na medida em que aparecem bastante caricaturadas. A proposta do filme tem sido descrita em algumas críticas como uma tentativa de mostrar uma “vingança judia”. No entanto, um das perspectivas que surgiram da renovação sobre o tema da Segunda Guerra Mundial versa justamente sobre o papel dos judeus e a problematização de sua posição no fenômeno do Holocausto. Como na presente disciplina temos dialogado com materiais provenientes do jornalismo, destaco a edição 269 de Setembro de 2009 da Revista Super Interessante dedicada ao tema em vista dos 70 anos do acontecimento. A revista, entre os assuntos abordados, procura demonstrar que a imagem do prisioneiro em um pijama listrado, símbolo da trajetória judia, não dá conta de todas as posturas assumidas pelos judeus naquele contexto. Alguns deles contra-atacaram e outros até mesmo optaram pela colaboração. Entre os grupos que contra-atacaram, que são os que nos interessam particularmente aqui, estão os irmãos Bielski que se notabilizaram através do livro, e depois filme, “Um Ato de Liberdade” sobre guerrilhas judias. Os grupos guerrilheiros eram compostos por judeus fugitivos de campos de concentração ou dos guetos. Tais grupos viviam em condições precárias em florestas ou pântanos situados em regiões remotas as quais os nazistas não sabiam como chegar. Entre as ações que conseguiam perpetrar sem denunciar seu posicionamento estão: interceptação de carregamentos de comida alemães, sabotagem de usinas elétricas e fábricas, descarrilamentos de trens e, quando possível, assassinato de alguns nazistas. No caso do grupo dos irmãos Bielski, cálculos indicam que chegaram a matar 400 inimigos. O grupo, que teve início em 1942 na Bielo-Rússia, contava apenas com os quatro irmãos mas chegou a abrigar 1200 judeus quando seu sucesso começou a atrair pessoas. No entanto, muitas delas não tinham conhecimento ou condições para lutar e esconder-se em lugares inóspitos em condições adversas. Do total de 1200 membros que grupo contava em seu auge, 70% eram idosos, mulheres e crianças, o que os obrigou a procurar regiões ainda mais remotas. Apesar das dificuldades, em 1944 quando a Bielo-Rússia voltou a pertencer a URSS, o grupo regressou na condição de sobrevivente dos nazistas.

Como vemos, as condições das guerrilhas judias eram mais difíceis do que o que foi visto no filme. No filme o grupo que oferecia resistência aos nazistas também mantinham tocaias em florestas, no entanto seu grupo era treinado contando com membros que de alguma forma possuíam experiência de combate. À diferença dos grupos guerrilheiros históricos, as ações de ataque aos nazistas eram realizadas sistematicamente e com requintes de violência em uma tentativa de originar terror psicológico. Segundo se sabe sobre os grupos guerrilheiros, o confronto direto era, ao contrário, evitado embora as boas oportunidades que surgissem não fossem desperdiçadas. O que é curioso observar sobre o filme é que embora o grupo representado fosse composto por membros de diversas nacionalidades, a sua origem é norte-americana. O desfecho também se dá através da negociação com oficiais norte-americanos. Com a ressalva de que processar uma atualização do tema através das renovações historiográficas certamente está fora da intencionalidade do filme, não podemos deixar de notar que tais elementos indicam que apesar de trazer um posicionamento judeu diferente do corrente, o filme limita a isso sua inovação, uma vez que outro viés de renovação do assunto não foi tocado: a importância das vitórias soviéticas, tais como a de Stalingrado, para a mudança do curso da guerra. No filme, a conclusão da guerra é novamente creditada à participação norte-americana.

A história de Tarantino


Bastardos Inglórios foi dirigido por Quentin Tarantino que se passa no bojo da Segunda Guerra mundial. A obra segue as características clássicas da obra de Tarantino com roteiros não-lineares, diálogos extensos e com seu uso peculiar da violência.

O filme não segue a dita “verdade histórica”, com episódios fictícios em meio alguns personagens reais e irreais, o diretor imprimir uma nova abordagem ao tema e até subverte em partes alguns acontecimentos, uma vez que no filme a maior parte da violência parte dos judeus para os nazistas. A própria foto que escolhi para exemplificar minha fala faz uma clara analogia, uma vez que corpos judeus eram amontoados, largados nos campos de concentração durante a segunda guerra, assim também o pôster mostra cadáveres nazistas e por cima deles os pisando está um judeu com uma frase ainda mais sugestiva. O estilo dos personagens de Bastardos Inglórios é outro ponto alto do filme, eles são construídos em cima de estereótipos como o próprio Hitler retratado como um histérico e neurótico, os americanos caipiras, francesas charmosas, alemãs burocráticos, extremamente caricatas e com destaque para o oficial nazista Hans Landa interpretado pelo ator Christoph Waltz que de fato atua magistralmente no filme.

Concluo ressaltando como a obra se desenvolve de forma surpreendente, a primeira cena apela a um aspecto dramático que em poucos momentos do filme foi associado, em seu desenrolar este explora mais seu lado cômico até pela forma como a violência é apresentada. Claramente o diretor não assumiu um compromisso em contar a história, mas sim em contar uma história, uma narrativa cinematográfica

O absurdo como recurso narrativo


Em “Bastardos Inglórios”, Tarantino surpreende a todos com um final tão inusitado quanto “historicamente descompromissado”: um plano para assassinar as maiores lideranças nazistas (incluindo Hitler e Goebbels) é - ao contrário do que sabemos – “bem sucedido”. Não acredito que esteja em jogo, aqui, a idéia de “verossimilhança” ou que qualquer crítica baseada na dissonância do filme com a realidade histórica possa se sustentar. O final insólito do filme, devemos notar, não pretende “revisar” (no sentido “revisionista” do termo) dados historicamente conhecidos sobre a segunda guerra: sua própria narrativa não tem, nem pretende ter, força suficiente para fazer com que o espectador passe a acreditar no fim alternativo que Tarantino propõe ao evento. Uma crítica baseada no argumento de um final “historicamente insustentável” deve entender que é no próprio absurdo que reside o maior recurso narrativo do diretor: toda a platéia sabe (ou deveria saber) que não foi aquele o desfecho da guerra; o choque provocado pelo fim alternativo é justamente o que pretende mobilizar o espectador. Nesse sentido, o filme mostra um evento que não se pretende acreditável; quaisquer críticas sobre isso são absolutamente tautológicas, já que se pressupõe que a verdade seja conhecida, para que o final possa ser apreciado (no sentido de contemplado). Pode-se, certamente, discutir a linguagem fílmica contemporânea a partir da obra; é possível, também, analisar as visões contemporâneas acerca da Segunda Guerra e do Nazismo. Com relação aos supostos perigos da tentativa de revisão dos fatos da segunda guerra, fica apenas um lembrete: é na sutileza que reside a maior arma dos que propõe visões enviesadas da história.

Bastardos Inglórios


Tarantino é famoso pela sua capacidade de criar filmes envolventes, onde o espectador é entretido por tramas complexas e imagens de violência chocantes. É inegável a criatividade de suas histórias e quão elaborados podem ser seus roteiros, falar sobre o seu sadismo único é também cair em um clichê. Todas as características que diferenciam Tarantino e o tornam, assim, um dos grandes cineastas atuais são respeitadas por mim, pois creio que a partir dessas características Tarantino foi capaz de ser autor de seus filmes, marcando a história do cinema mundial. No entanto, não nego o quão problemáticas, para mim, algumas dessas características são. “Bastardos Inglórios” foi justamente o filme que me fez repensar o cinema de Tarantino e sua relevância artística, pois se outros filmes como “Pulp Fiction” me envolveram a ponto de não provocarem reflexões críticas, o mesmo não me ocorreu ao assistir Bastardos.

Bastardos Inglórios, para mim, foi apenas um filme de entretenimento. Desses que se assisti com os amigos, ri de algumas coisas, de outras nem tanto e acaba por aí. Não é um filme que possui vida pós-exibição, ou pelo menos não seria se não fosse a grande especulação em torno de Bastardos e de sua, suposta, genialidade. Concordo que Tarantino tem talento o suficiente para ser denominado como gênio por alguns, embora não seja o meu caso, reconheço o diferencial que o torna o cineasta que é, mas acho “Bastardos Inglórios” um filme, longe, bem longe da genialidade. Principalmente, porque não me envolveu muito e se é para ser um filme que foge da profundidade – e acho que é um consenso o quanto Tarantino não se foca nesta – que esse pelo menos me entretenha do início ao fim, mas isso não aconteceu. O fato de a Segunda Guerra ser, na verdade, apenas um plano de fundo inicial com elementos interessantes disponíveis para o uso da criatividade de Tarantino, não me incomodou, fica explícito o quanto a verossimilhança com a história é ignorada pelo cineasta em nome da arte cinematográfica – que ele homenageia em alguns momentos da trama. No entanto, acredito que a criatividade de Tarantino foi suficiente em Bastardos para sustentar o peso de seu próprio nome e do significado deste dentro da indústria cinematográfica. Apesar de alguns momentos de tensão e outros engraçados, não foi um filme que como um todo me impactou.

Em minha opinião, tanto o filme quanto Tarantino merecem uma credibilidade, no entanto, o ícone criado em torno de ambos pelo público é exagerado. Creio que a crítica superestima “Bastardos Inglórios”, principalmente, devido ao peso de ser uma produção de Tarantino, o que acho extremamente injusto, pois se leva um crédito desmerecido.


Concluindo, trata-se de um bom filme, com alguns diálogos interessantes, atuações boas e elementos criativos, contudo não se pode dizer que é o melhor que Tarantino pode nos dar.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

"Chamas da vingança"


Através do exagerado filme de Tarantino, percebemos a sua despreocupação com fatos históricos, a sua violência exacerbada, que me parece atropelou todos seus demais filmes, o seu eventual sarcasmo hollywoodiano e a sua vingança histórica, que faz com que os nazistas paguem na mesma moeda e que os judeus sejam capazes das mesmas atrocidades, da mesma desumanização por uma vingança histórica.
Percebemos que é um filme que não é sobre a segunda guerra em si, mas sobre um caso muito específico e muito relevante desta guerra, o caso judeu. O holocausto ainda é algo muito vivo que volta e meia está revisionado nas páginas dos jornais, nos livros acadêmicos e enfim, é um acontecimento que ainda causa muita discussão. Por isso, a tentativa ou a assertiva de Tarantino em revisionar este fato, e de maneira tão a-histórica causou tanta repercussão.
Usando como referência a coluna de Arnaldo Bloch do dia 24 de outubro, “O grande ditador” de Chaplin tenta redimir os maus causados por Hitler através da criação de um outro dele, que como judeu, pede pela paz e não por sangue, como é clamado em “Bastardos Inglórios” a cada cena que Brad Pitt desenha uma suástica com a faca na testa dos nazistas. Tarantino tem, portanto, objetivo de chocar, de colocar em evidência as atrocidades cometidas pelos nazistas. É um filme que não busca de maneira alguma a redenção nazista, e que somente através de uma “reparação imediata”, que passa longe de um discurso de paz os judeus se sentiriam vingados.
Vencido as diversas vezes com que se faz força para encarar cenas grotescas e desnecessárias, o filme de Tarantino apresenta um suspense de causar inveja a muitos filmes do gênero, ele te prende do início ao fim e nem a quantidade de sangue derramada faz você querer perder alguma cena. Ficamos fissurados diante da tela, aguardando ansiosos pelo fim, e pelo fim dos nazistas, que embora nos cause desconforto, temos durante todo o filme a figura estigmatizada do anti-herói judeu, que a todo tempo está protegido por uma venda histórica, embora, ao final do filme pensemos: Que sem graça Hitler morrer assim!
Carolina Bezerra

Um prato cheio aos historiadores


O filme Bastardo Inglórios de Quentin Tarantino ao reescrever a história da segunda guerra mundial refazendo seu desfecho provoca grande polêmica que acarreta na maior discussão entre o meio acadêmico sobre o assunto, e demonstra o quão relevante é fazer filmes sobre a segunda guerra hoje. Ainda mais quando temos um filme de ótima qualidade, com um grande diretor, com seu excelente roteiro e atores.
E a relevância dos “Bastardos” está neste fato, ao provocar a discussão entre os historiadores a cerca do tema segunda guerra e de como os estudos devem abordá-la. E que talvez mais uma produção sobre o conflito, baseada efetivamente em fatos reais, ao contrário da produção de Tarantino, não causaria o mesmo acalento de discussões entre os fascinados pela história.

Vingança judia ou vitória nazista?

O filme é uma produção de Quentin Tarantino que retrata o movimento dos judeus contra a opressão nazista. O filme revive o contexto da Segunda Guerra Mundial, momento do governo de Hitler, período em que muitos judeus foram perseguidos e exterminados. Trata-se, porém, de fatos fictícios. O contexto é verdadeiro, mas a história de vingança dos judeus contada no filme é fictícia.
Quentin Jerome Tarantino estudou por três anos com o ator James Best, trabalhou em um cinema (pornô) e na locadora Video Archives em Manhattan Beach, onde ganhou fama como crítico. Sua entrada para o cinema aconteceu em 1986, quando escreveu e produziu o filme “My Best Friend’s Birthday”. O filme ficou inacabado, mas deu idéias para seus próximos roteiros: “True Romance”, de 87, e “Assassinos por Natureza”, de 88. O sucesso chegaria em 1991, quando seu último roteiro, “Cães de Aluguel”, estourou no Festival de Sundance. Em 1994, chegou aos cinemas “Tempo de Violência”. No mesmo ano, o famoso diretor Oliver Stone dirigiria outro roteiro de Quentin, “Assassinos por Natureza”. Destacam-se também “Pulp Fiction”, “Grande Hotel”, “Jackie Brown”, “Um Drinque no Inferno” e os dois filmes de “Kill Bill”.
Em Bastardos Inglórios, a história começa no primeiro ano da ocupação da França pela Alemanha, período que os nazistas iniciam uma verdadeira caçada aos judeus, visitando locais onde eles poderiam estar escondidos. A personagem de Shousanna, interpretada por Mélanie Laurent, é uma judia que consegue fugir durante a visita do coronel nazista Hans Landa, conhecido como “o caçador de judeus”, interpretado pelo austríaco Christoph Waltz. Shosanna vê sua família ser assassinada, mas consegue escapar e parte para Paris, onde assume uma identidade falsa e se torna proprietária de um cinema. A jovem tem a chance de realizar sua vingança, quando após chamar atenção do soldado alemão Frederick Zoller, interpretado por Daniel Bruhl, garante a exclusividade de exibição da estréia do filme “Orgulho da Nação” em seu cinema. A história do filme “Orgulho da Nação” é baseada no ato heróico do próprio Zoller, que ficou conhecido por toda a Alemanha por derrotar, sozinho, homens das tropas inimigas. Devido a sua notoriedade frente aos demais nazistas, a estréia contaria com a presença de todo o alto escalão do Terceiro Reich, inclusive Hitler e o ministro da Propaganda, Joseph Goebbels.
Simultaneamente, em outro lugar da Europa, o tenente Aldo Raine, interpretado por Brad Pitt, organiza um grupo de soldados judeus que capturam soldados alemães e os matam brutalmente. Antes de matá-los, porém, Raine dá duas opções aos soldados: ou eles relatam onde estão outros soldados, quantos são e como estão armados, ou são assassinados. Os que optam por não entregarem seus companheiros de guerra, são mortos violentamente e os que aceitam relatá-los, são liberados. Todavia, antes de liberá-los, Raine, marca as suas testas com o símbolo da suástica, para que todos soubessem que um dia eles perseguiram judeus. Posteriormente chamados pelos nazistas de “os Bastardos”, o esquadrão de Raine se une à atriz alemã Bridget von Hammersmark – vivida por Diane Kruger - em uma missão para derrubar os líderes do Terceiro Reich. Coincidentemente, o plano tramado pelos bastardos aconteceria no cinema de Shosanna, pois, para eles, o evento seria uma chance incomparável. O roteiro de Tarantino, portanto, remenda os dois segmentos do filme no final.
A única questão não tão feliz do filme é que Shousanna, apesar de morrer, consegue realizar a sua vingança que culminou com o fim da guerra. Todavia, nem o coronel Hans Landa, nem os “bastardos” tomam conhecimento do seu ato. Para eles, foi o plano do grupo juntamente com a ação do coronel – Hans Landa descobre o plano, mas decide não impedir que ele fosse executado - que possibilita o assassinato de Hitler.
Como em outros filmes de Tarantino, como “Kill Bill” e “À prova de morte”, o tema do filme é a vingança, premeditada pela sobrevivente da chacina nazista, Shousanna, e pelo grupo que dá nome ao filme. Entretanto, o tema é trabalhado por Tarantino, como já era de se esperar, mediante um mix de violência e humor. Os diálogos são marcados pela ironia e até as cenas de violência possuem um tom cômico.
A presença de caricaturas é outro fator que garante o humor da trama. Os atores representam bem os personagens que interpretam e suas marcas são notadas no sotaque, na vestimenta, no jeito de falar. Desse modo, o diretor retrata os personagens pelos seus estereótipos conhecidos, como o jeito altamente educado do inglês e a vestimenta perfeita dos nazistas. A trilha sonora escolhida também garante esse caráter dúbio.
Poderíamos considerar que ao produzir a trama, Tarantino tinha como objetivo apresentar a vingança dos judeus como uma forma de realizar uma vingança em nome dos mesmos, visto que em outros filmes que abordam a questão da Segunda Guerra Mundial, os judeus são sempre assassinados e retratados como personagens fracos, sem força de voz frente ao regime nazista. No entanto, se analisarmos mais cautelosamente a história da trama, observamos que Tarantino finaliza o filme com a vitória do coronel Hans Landa. O plano do grupo “bastardos” é descoberto, o coronel prende o seu principal membro e faz um acordo com ele: Hans deixaria o plano ser concluído em troca de asilo e em troca do grupo declarar que o famoso “caçador de judeus” era na verdade um membro do grupo infiltrado. O tenente judeu Raine concorda com o acordo e a vingança de Shousanna nem chega ao conhecimento dos dois de modo que para os envolvidos a vitória só acontece porque o coronel nazista resolve mudar de lado no último momento. Dessa forma, poderíamos concluir que, na realidade, Tarantino, como os demais roteiristas e produtores que abordaram o tema da Segunda Guerra Mundial, pois a vingança judia acontece no filme, porém o plano só é executado porque um dos homens que mais perseguiram judeus opta por deixá-lo ser concluído. O fim da guerra, portanto, viria das mãos de um dos que mais torturaram judeus. O regime nazista, então, fracassaria com a ajuda de um nazista.

Bastardos Inglórios: Mais um do Tarantino









Quando se pensa em algum filme sobre a Segunda Guerra Mundial é fácil fazer alguma relação com os ataques nazista. O tema que já foi tão retratado pelo cinema expressa uma das maiores revoltas mundiais, pois o drama dos judeus é algo que está presente na memória como uma situação limite vivida por um povo que não apenas foi vítima de preconceito, mas que foi submetido a todas as crueldades que nenhum ser humano não deveria passar. Porem o mais novo filme de Quentin Tarantino não tem essa proposta, ele não retrata o sofrimento dos judeus, é como se todos já soubessem o que ocorreu durante a Segunda Guerra. Sua intenção é mostrar aquilo que seria a vingança de qualquer judeu contra o regime nazista.


Em nenhum momento o diretor se preocupa com a verossimilhança com os fatos da guerra, mas acredito que esta seja uma marca de Tarantino. A violência exagerada sempre esteve presente em seus filmes, mas neste caso a violência de um grupo de judeus que se reuniu para praticar atos de maldade contra os componentes do exército nazista, pode ser legitimada na medida em que há um sentimento de vingança quase que unânime. Atos violentos com um “toque de comédia” é outra marca deste diretor que já explorou esta combinação em outros filmes como Kill Bill, porém Bastardos Inglórios, se comparado com outras obras do diretor é de longe o menos apelativo em questão de violência.


O filme não perde a oportunidade de demonstrar o nazista como o perverso. O personagem “caçador de judeus” não tem compaixão pela família da jovem Shosanna e metralha todos, assim como na cena do cinema vários membros do exército alemão aparecem rindo das crueldades cometidas por eles mesmos, inclusive Hitler é retratado nesta cena.


Mesmo não possuindo uma reflexão sobre a guerra o filme é válido como demonstração de uma obra tarantina típica. O sentimento de vingança não é só para os judeus, a comoção é tanta que quem assiste ao filme torce para que a cena do incêndio no cinema aconteça logo e que dê tudo certo, pois a vontade de ver líderes nazista morrendo e sofrendo é grande. O filme ainda rompe com imagem bonzinho-galã-protagonista de Brad Pitt que como Aldo Raine foge de todos estes estereótipos que quase sempre é vivido por este ator nos cinemas.

É um filme que vale a pena assistir, pois foge de tudo aquilo que estamos acostumados a ver quando se fala de Segunda Guerra Mundial, mas que não foge das marcas de Quentin Tarantino.
Paula Cresciulo

Tarantino, o choque e a irreflexão.


Quando se fala sobre um filme sobre a Segunda Guerra Mundial, provavelmente teremos alguns temas como: o cenário do front da guerra, a ideologia nazista, os campos de concentração, o dia D ou a invasão da Polônia, entre alguns outros. Bastardos Inglórios trata disso superficialmente. Este é apenas o pano de fundo para o verdadeiro tema: a violência de um grupo rebelde radical de judeus cometendo violências contra os nazistas em forma de vingança.


E, falando-se de Tarantino, a violência e a crueldade (no sentido de cru e não necessariamente moral) de atos são pratos cheios em cena como entretenimento. Nada tão diferente assim de um Tom e Jerry (famoso desenho animado onde um rato e um gato se batem provocando o riso das crianças e dos adultos), neste sentido exclusivamente, exceto pelo realismo de seus filmes, que cortam a maior parte da ficção e dão voz a uma verossimilhança externa maior. Há que se lembrar que um desenho carrega em si diferenças cruciais na mensagem. Mas, quanto ao filme, sempre há uma crítica aqui ou acolá às “degenerações morais” de alguns de seus personagens, então talvez usar um grande inimigo do imaginário social de todo o mundo – o nazista – resolva o problema. Nada melhor que um nazista para apanhar e sofrer, talvez esta seja a máxima que justifica o filme. O nazista é retratado, inclusive, como um sanguinário mau e perverso (como na cena em que Hitler põe-se a rir demasiadamente com diversos assassinatos). O nazista: o mau encarnado, o alvo perfeito para este filme.


A partir daí, qualquer coisa é possível, então. Em Bastardos Inglórios (como em outros filmes), mas agora mais justificável, a comédia frente à violência é muito forte. Espera-se que se ria, por exemplo, quem presenciar uma cena de Brad Pitt cravando uma faca e gravando uma suástica na testa de seu inimigo judeu, como uma grande cicatriz moral e punitiva, com direito ao sangue jorrando e à carne esfacelando. Afinal o Brad Pitt (não ele, mas seu personagem) era um judeu, bastardo, e inimigo, portanto, daquele que todos são inimigos (ou assim espera-se): o nazista.


Não há nova reflexão sobre a guerra: há uma ficção com toques de comédia e manchas de violência, em um roteiro bem amarrado, belas fotografias, trilha sonora empolgante (ao exemplo de Kill Bill e Pulp Fiction) e condizente com as cenas, uma cena inicial de trazer o coração à boca e diálogos bem construídos principalmente pelo Caçador de Judeus (Christoph Waltz). Mas não uma reflexão. A reflexão fica pelo que falta de reflexão por parte do filme.


A cena inicial de certa maneira reinaugura o inimigo, busca na memória o que provavelmente faria um Caçador de Judeus, traz a angústia, a posterior catarse com a morte e o relembrar de um terror que, se estivesse esquecido, seria relembrado agora.


Bastardos Inglórios se passa na França ocupada. Alguns aspectos de uma vivência cotidiana de uma ocupação nazista são mostrados, mas não é nem o principal nem um ponto grande de reflexão, já que não aprofunda o tema. Como, alias, uma coisa que não fará muito é aprofundar. Afinal, o público deseja uma sensação imediata de catarse em modo de riso ou de agonia liberada num susto ou coisa semelhante; grandes reflexões produzem seres pensantes, tornando o ganho de dinheiro mais difícil (falo aqui de um público ideal para uma indústria cinematográfica). Tampouco se explica ou aprofunda-se o tema da guerra: toma-a como um pressuposto; só precisa relembrá-la e tomá-la como pano de fundo para o entretenimento.


É interessante como a imagem punitivo/vingativa vem à tona pelo que os Bastardos faziam com os nazistas. Tomemos como exemplo a violência destacada acima, com a suástica gravada na testa do nazista. Na antiga Alemanha nazista, houve período em que os Judeus tiveram que andar com uma estrela de Davi em seu braço para serem classificados como tal facilmente. Em um diálogo do personagem de Brad Pitt, Aldo Raine, com um soldado nazista, Aldo pergunta-lhe se o soldado continuará a usar o uniforme nazista. O soldado diz que jamais o utilizará novamente, e Aldo diz que não gosta disto, pois ele gosta de identificar os nazistas só ao olhá-los e então grava a suástica como marca punitiva (da mesma forma que um Judeu ser um Judeu na Alemanha era uma “punição”, pois você estava marcado como “a grande sujeira da humanidade”).


Mas se, por um lado, há violência, dentre outros filmes do diretor, este é um filme muito menos violento. Ao menos em quantidade: em “qualidade” (se tomarmos como qualidade a arte de tornar real ou a de criar o tipo mais bizarro possível de violência) não deixa tanto a dever. Não há, por exemplo, uma cena como a dos vários espadachins contra a protagonista numa luta sanguinária com dezenas de mortes e mutilações; a cena ao final do filme com todas aquelas mortes não é tão chocante quanto esta de Kill Bill. E as cenas chocantes são entrecortadas por tempos muito maiores de diálogos.


Numa época onde a guerra é um tema tão presente, há que se entender que a escolha do tema era perfeita para Tarantino. Mas a abordagem é diferenciada, pois os filmes contemporâneos retratam o front da guerra, cada vez mais “real”, com mais efeitos para torná-la “real”, enquanto Tarantino se encarrega com algo que seria equivalente aos bastidores da guerra, ao que ocorre por trás e teria sido escondido. Por ser ficção, descompromete-se com a veracidade em favor do poder criativo do diretor e dos atores. Ainda sim, o filme faz referências históricas aos acontecimentos, e até mesmo ao sistema de espionagem, que foi tão utilizado à época, a exemplo da Primeira Guerra. Há também um cuidado com a vestimenta e com os costumes e lugares, a ambientalização, mas isto não chega a ser tanta novidade, já que é uma tendência dos próprios filmes históricos (o que não é este caso, pois se trata de invenção em cima de um fato histórico) é crescente desde a década de 1990. A ficção leva a altos patamares o poder de criação, como a catarse final, com a grande vingança de Shoshanna (Melanie Laurent) e um desfecho que a historiografia e a memória social logo destacariam como “não foi assim que ocorreu”.


Em suma, Bastardos Inglórios propõe-se como filme de ficção e entretenimento, e acarreta uma trama bem amarrada e pouco reflexiva, usando a violência e a comédia unidas em uma catarse onde ora destaca-se uma ora outra. Enquanto propõe-se a isto, compreende-se o conteúdo raso e pouco reflexivo, do tema da guerra ser tão pouco desenvolvido, e outras questões consideradas, talvez, irrelevantes. Além disso, a reação do público, ao menos onde me limitei (a sala de cinema que assisti e algumas resenhas lidas na internet – falando de uma maneira mais geral, ou seja, da maioria das reações vistas), foi positiva, o que indica que este tipo de filme teria sido bem sucedido na sua proposta de entretenimento. Esta analise é importante, mas faltam dados de outros lugares para uma média mais geral; a arte é uma produção e uma experimentação, então para avaliá-la precisamos avaliar autor, obra e público, em diferentes ordens, para obter um estudo eficiente. Numa resenha como esta, conto apenas com as fontes citadas e com o sucesso de bilheteria do filme, que indicam para um mesmo resultado: o riso é provocado muitas vezes pela violência ou a satirização dela, ou o medo dela, e este riso foi bem vindo à platéia, o que caracteriza que Tarantino está a par do que o público quer, ou o público soube apreciar a produção ao vê-la.


Mas uma vez que temos filmes que exploram este mesmo lado, não é uma inovação no sentido do método utilizado para o entretenimento. Talvez apenas uma combinação melhor de elementos fez-se destacar (inclusive o próprio nome Tarantino, dá ao filme um capital simbólico muito grande, uma vez que quando você nomeia algo este nome carrega valores de experiências passadas ou experiências contadas por outros – como o estudo dos intelectuais, dos críticos ou a opinião da mídia – que influenciam na experimentação da arte).


*Rafael Zacca Fernandes

Cinema e catarse


O tema II Guerra Mundial no cinema às vezes parece ter se esgotado, são inúmeros os filmes que falam sobre o assunto – que sempre garante uma boa bilheteria. Mas “Bastardos Inglórios” dá um novo tratamento a temática. Quentin Tarantino misturas diversas linguagens cinematográficas para contar a história de um grupo de judeus caçadores de nazistas - que dão nome ao filme – e paralelamente a da Shoshanna, a única de sua família a sobreviver a uma chacina. Na busca por vingança as duas trajetórias se encontram na França ocupada por Hitler.

Do lado oposto ainda é apresentado ao público o jovem Zoller, oficial da SS enaltecido como herói de guerra por ter matado sozinho centenas de soldados inimigos e o experiente coronel Hans Landa que ostenta um título de “caçador de judeus”. De forma curiosa esses personagens irão se entrelaçar com os demais.

Dividido em capítulos o filme trata ao mesmo tempo com humor e violência a possibilidade de poder se causar dano equivalente a seu agressor, ignorando a idéia estabelecida que se tem de justiça. Para Shoshanna e os Bastardos o mal causado pelos nazistas a eles e ao resto do mundo deve ser reparado, no mínimo, com a mesma medida de crueldade. Os Bastardos vão atrás de nazistas para matá-los, possuem metas e estratégias, fazem seu serviço com uma insensibilidade que causa riso na platéia. Já Shoshanna tenta levar uma vida anônima cuidando de um cinema quando se vê diante da chance que eliminar não somente o assassino de sua família, mas todo alto escalão do III Reich – incluindo o próprio Füher.

Tarantino dá vazão a esse sentimento tão humano e primitivo, contido por questões morais da sociedade. Sem se preocupar com a construção de heróis cheios de qualidades, ele leva para tela a realização dessa vontade – tanto de judeus quanto daqueles que gostariam de ver um outro destino para os nazistas ou qualquer antagonista.

O cinema é um importante personagem. O filme sobre Zoller mostra a força que ele tem em difundir ideologias e servir de arma para o Estado. Muitas cenas, incluindo o final, se passam no cinema de Shoshanna sendo uma boa metáfora sobre o cinema e as chances que ele permite de recontar uma história. É somente nele que um acontecimento doloroso tem a capacidade de transformar em riso, onde sentimentos podem ser realizados, Hitler ser morto e História ser diferente.