sábado, 5 de setembro de 2009

“Choque de Frequências”

Analisando as reportagens do dia 20/03/2003 da Folha de São Paulo, podemos destacar o amplo espaço que o jornal cede para as coberturas de movimentos populares contra a guerra e contra a posição irredutível do governo norte-americano de iniciá-la, mesmo indo de encontro a diversos representantes de nações presentes na ONU. A utilização dos discursos oficiais é sempre com a presença de aspas, onde o jornal procura se afastar da responsabilidade das declarações ali presentes. Porém, podemos identificar a posição dos jornalistas e de seus correspondentes internacionais como contrários a qualquer retaliação contra o governo iraquiano, apesar de ainda apresentarem o governo de Saddam Hussein como “autoritário” e “corrupto”. A seleção de matérias oriundas de empresas como a Reuters e de escritores convidados deixam isto claro. Em pesquisa feita pela própria Reuters, é possível evidenciar que a popularidade do governo norte-americano sofre queda livre em países da América Latina, Europa, e até mesmo entre a população daqueles que vivem em países nos quais o governo apoia abertamente a intervenção no território iraquiano, como Inglaterra e Espanha. O artigo do jornalista Eduardo Galeano remonta toda a dualidade do governo dos Estados Unidos que sempre buscaram, ao longo da história, alianças com países estratégicos do Oriente Médio para a extração do petróleo, a fim de evitar que as reservas caiam em mãos de grupos ligados ao comunismo (durante a Guerra Fria) e de ortodoxia religiosa (após a queda do modelo comunista).


No artigo A guerra: curiosidades, do jornalista uruguaio Eduardo Galeano, o discurso que permeou a investida norte-americana no Iraque é questionado. Tal questionamento busca relacionar o conflito ao interesse pelas abundantes reservas de petróleo iraquianas. Assim, o autor faz certa crítica a dois dos principais personagens: Bush e Tony Blair. Galeano, para justificar sua concepção dos EUA como fomentadores da guerra, utiliza-se de fontes históricas, fazendo referência a antigos personagens da história norte-americana. Ele enfatiza a escolha pelo conflito como injustificada. Para ele, o Iraque não oferecia real perigo, e o fato do governo dos EUA ter se relacionado com Saddam Hussein na Guerra do Golfo evidencia uma linha de conduta suspeita da política externa, ao enveredar para um conflito com um velho aliado. Tal formulação, contudo, não reflete as questões pertinentes a outros agentes influentes nesse conflito. A reflexão do autor é limitada ao ideário que construiu a sociedade norte-americana, à passividade da comunidade internacional – inclusive da ONU – e ao papel do Iraque na região do Oriente Médio. Portanto, a crítica expressiva de Eduardo Galeano ao conflito, e especificamente à postura dos EUA, apesar de construída com referências historiográficas sofre por não oferecer uma interpretação geral da situação. Podemos, destarte, observar um determinado viés que não retrata de forma ampla a construção do conflito, pelo menos por parte dos EUA, o que seria o objetivo inicial do autor.

Por outro lado, os textos das páginas A15 e A16 são pautados nas informações de dois enviados internacionais (um em Washington e outro em Bagdá), além de informações de agências internacionais. O enviado de Washington se preocupa com os discursos oficiais de lá, enquanto o de Bagdá preocupa-se com aspectos descritivos da cidade. A explicação do conflito em si é ausente nestas reportagens. É possível questionar se o enviado a Bagdá e seu tipo de abordagem seriam, na verdade, uma tentativa de diferenciar o jornal de outros baseados apenas em notícias de agências.


Os discursos oficiais são colocados de forma direta e sem questionamento, e muitas aspas podem ser encontradas no corpo do texto. Os atores são destacados sempre em uma tensão entre o presidente George W. Bush e o ditador (e há uma ênfase nessa denominação) Saddam Hussein. Saddam é constantemente associado aos ataques de 11 de setembro de 2001 e à Al-Qaeda, o que sugere uma ligação direta sobre ambos serem quase a mesma coisa. Destaca-se também o fato de Bush ter mandado um ultimato para Saddam deixar o país, e o não cumprimento deste levaria à invasão. Outro ponto a se destacar é o de um aparente medo das armas de destruição em massa.


Em geral, enfatiza-se uma superioridade tecnológica norte americana eseu poder de autoridade, além de uma preocupação com o término rápido do conflito, onde se pouparia a população de maior sofrimento. É possível notar também que matérias feitas na redação, em geral, possuíam colaboração de agências internacionais e concentravam-se em reproduzir as declarações oficiais, de forma a explicitar que a intenção seria somente transmitir as informações, sem um relato mais profundo.


No entanto, havia uma reportagem traduzida do The Independent, escrita por Robert Fisk, em Bagdá. Nota-se uma diferença significante entre esta matéria e aquelas escritas na redação. O texto se encontra em primeira pessoa, demonstrando a experiência e o relato individual. Além disso, a reportagem concentra-se muito mais em uma narrativa da vivência daquela realidade, do que na mera exposição de fatos e informações. Isso é evidente no momento em que Fisk detalha situações do cotidiano de Bagdá e as implicações da guerra na vida da população. Como no seguinte trecho:


Mesmo assim, mesmo ontem à noite, ainda era difícil compreender a realidade daquilo que nos aguardava... Havia pilhas novas de saco de areia nas esquinas, e os soldados atrás delas batiam papo com as pessoas que faziam suas últimas compras. Será que é isso que a guerra constante faz as pessoas? Transforma-as em homens e mulheres que sabem que irão sobreviver, pela simples razão de que sobreviveram da vez passada?


Podemos concluir, então, que o relato feito por um repórter que se encontra no local da guerra, em geral, é mais profundo, proporcionando uma maior compreensão da vivência dessa realidade e também um questionamento sobre esta, ao contrário do que uma simples notificação de dados e declarações.

Em artigo enviado para o Financial Times, o pesquisador senior do Brookings Institute (EUA), Michael O'Hanlon, faz uma relativização quanto à linha de raciocínio comum entre muitos especialistas a respeito da tão esperada "vitória fácil" dos Estados Unidos na guerra do Iraque. Segundo Michael, a guerra seria tão facilmente vencida, mas também não seria de longa duração. Para defender suas previsões e afirmações, ele se utiliza de dados de batalhas passadas, consideradas "fiascos", e tenta dizer que, possivelmente, os mesmos erros não seriam cometidos, mas serviriam de orientação. O autor afirma também que a superioridade tecnológica, como o poderio aéreo americano que seria capaz de desempenhar papel crucial, poderia não ser dominante na guerra. O’Hanlon, ao mesmo tempo em que exalta a tecnologia de guerra dos EUA, também ressalta suas limitações quando aplicada a uma guerra urbana, pois em Bagdá, por exemplo, as armas não teriam tal precisão cirúrgica como geralmente se falava. Michael O'Hanlon fala também sobre o perigo evidente da perda de centenas a milhares de soldados americanos – nota-se, entretanto, que em nenhum momento ele faz uma ponderação quanto às mortes de civis iraquianos. O exército iraquiano, tratado como “o outro”, é citado apenas quando o autor afirma que, provavelmente, poucos soldados continuariam em combate. Pode-se perceber que O’Hanlon acaba por ser um pouco maniqueísta na aplicação de seus adjetivos e ao concluir que a vitória norte-americana se daria muito mais pelo "heroísmo" dos soldados, e não pela tecnologia ou planos de batalhas ousados.

Nesta mesma edição da Folha de São Paulo, há um artigo que trata da disputa e da preparação da CNN e da Al-Jazeera para a cobertura da Guerra do Iraque. Com reportagem local de Laura Mattos e de Cláudia Croitor, foram feitas entrevistas com o presidente da CNN Internacional e com a chefe de redação da Al-Jazeera.


A Al-Jazeera, emissora árabe que ganha reconhecimento com o conflito do Afeganistão, esperava expandir-se ainda mais com a cobertura da Guerra do Iraque e com o lançamento de um canal em inglês. O canal não escondia sua parcialidade e sua chefe de redação chegou a afirmar que a emissora representava o mundo árabe. É citada também a expectativa de realizar uma cobertura mais transparente que a vista na Guerra do Golfo, em uma clara provocação à CNN.


A CNN, por sua vez, afirma ter uma cobertura imparcial, compreensível e com visões dos dois lados, em contraposição a Al-Jazeera. A preparação consiste em um investimento de US$ 35 milhões e um processo de treinamento para os enviados. O presidente da emissora alega ainda não fazer dinheiro com a guerra, e chega a considerar tal afirmação como uma ofensa. Afirma também que “a função de noticiar uma crise mundial não é negócio, é serviço público”.


Contudo, as emissoras concordam ao afirmarem que a Guerra do Iraque seria a mais perigosa em termos de cobertura jornalística. Pode-se interpretar tal atestação como medida sensacionalista ou realmente pela maior proximidade com o conflito. De qualquer forma, conclui-se que paralelamente à Guerra do Golfo, instaura-se uma guerra midiática, na buscar pela audiência de todo o mundo.

Equipe: Amanda Cardoso; Ricardo Poço; Rafael Zacca; Erick Carvalho; Taís Bravo; Israel Gil; Vinícius Rodrigues; Henrique Sá; Toni Endlich.

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